O texto original foi escrito por JOSÉ DANIEL PÉREZ para a organização AMAI.
Com o passar dos anos, as pesquisas tradicionais têm conseguido de forma muito eficaz coletar dados, tanto do mundo subjetivo (emoções, sentimentos, percepções e opiniões) como do mundo objetivo (comportamentos, hábitos, compras, etc). Porém, sem dificuldades, a integração destes dois mundos conduziu à geração de insights relevantes, apoiando exitosamente vários processos de tomada de decisão. No entanto, a tecnologia e o impacto do mundo digital sobre a forma como nos comportamos criaram novos desafios para uma avaliação abrangente dos consumidores: ainda podemos usar pesquisas para obter informações objetivas e subjetivas no mundo digital?
Para entender a origem do problema, pergunte a si mesmo: "Quantas vezes eu acessei o facebook na semana passada?" Eu me atrevo a afirmar que poucos sabem a resposta corretamente. Isso é bastante normal, pois nossa memória encontra-se saturada por distintos tipos de estímulos. Estamos distraídos saltando de tarefas a cada segundo. Um exemplo disso são os números de telefone, anteriormente sabíamos os números de cor e hoje em dia isso é praticamente impossível, pois já não somos tao capazes de exercitar nossa memória.
Para medir até que ponto a situação mudou e como ela poderia afetar na informação que obtemos dos consumidores, nós comparamos o que as pessoas declararam versus o que elas realmente faziam. Este estudo foi feito pela Netquest (empresa de campo online especializada que continuamente realiza entrevistas na Espanha, Portugal e América Latina), que utilizara, uma tecnologia necessária para medir a navegação de seus painelistas através de um software (tracker) instalado em todos os seus dispositivos de navegação (PC’s, smartphones e tablets). Esse estudo foi realizado na Espanha, sob uma amostra de 491 painelistas com quotas de idade, gênero e nível educacional. Comparamos o grupo que acreditava lembrar a sua navegação com os dados que realmente observamos. Os resultados desse estudo foram apresentados durante o mês de setembro no renomado ESOMAR WORLD em Dublin,
Em primeiro lugar, pedimos aos nossos painelistas que nos dissessem as últimas 5 páginas que visitaram em seu computador e nós comparamos com os dados registrados, sem ter em conta a ordem do que foi mencionado. Os resultados foram surpreendentes! Apenas 1% dos entrevistados acertaram as 5 páginas declaradas. 6% acertaram 4 páginas e 9% lembrou-se de 3 páginas. 84% das pessoas recordaram de 2 páginas. Os dados reforçam o que havíamos comentado desde o início: a baixa recordação no comportamento do mundo digital.
Nos realizamos um exercício similar, porém avaliando o tempo. Fazia sentido que quando analisamos um período de tempo menor, seria mais fácil de se lembrar da informação desejada. No entanto, os resultados observados foram totalmente opostos desta hipótese. Quando perguntamos quais foram as páginas visitadas durante a última semana, os entrevistados acertaram uma média de 1.54 páginas web de 5, enquanto acertavam uma média de 1.96 páginas quando perguntávamos a respeito do último mês. Uma possível explicação para este resultado é que torna-se mais fácil para o entrevistado lembrar de atividades em um período maior.
Nós realizamos um exercício diferente: a memória sugerida. Perguntamos se os respondentes haviam visitado alguns sites de uma lista de páginas. Para nossa surpresa, dependendo do tipo de conteúdo das páginas, algumas pessoas se lembravam melhor a curto ou a longo prazo, por exemplo: páginas como Youtube e Wikipedia eram lembradas a longo prazo e páginas como o Groupon, a curto prazo.
Por último, avaliamos se os erros de memória estão relacionados ao de não se lembrar de uma atividade que realmente tinha realizado (under-reporting) ou afirmavam fazer algo que não constava nos dados observados (over-reporting). Os resultados dos estudos mostraram que as pessoas tendem a declarar em maior proporção que visitaram uma página onde realmente o respondente não havia acessado. Isso pode ser explicado pelo viés de cortesia e pela nossa tendência a dizer sim quando não estamos seguro de algo (efeito conhecido como yes-saying).
Analisando os resultados, podemos concluir o seguinte:
- As pessoas não lembram de forma eficaz de suas atividades online.
- Sobre a recordação espontânea, as pessoas lembram-se melhor a longo prazo do que curto prazo.
Os resultados acima sugerem que a fiabilidade da nossa memória "digital" não pode ser pior. No entanto, tudo indica que a situação pode piorar. Realizou-se um estudo semelhante ao descrito acima, porém com dispositivos móveis. A respeito dos resultados: enquanto a média de lembrança do PC sobre as 5 últimas páginas visitadas foram de 1,37, a média de smartphones foi de apenas 0,65.
As evidências podem nos levar a pensar que as pesquisas não tem futuro, que são um método em extinção. A verdade é que não acreditamos que seja assim, pensamos totalmente ao contrário. Estamos estimulando de forma intensa este consumidor cada vez mais complexo e subjetivo, o que implica que temos que pesquisar por pontos de vista e conhecer cada vez mais a parte subjetiva.Portanto, o número de estudos a serem realizados tende a crescer. No entanto, não podemos continuar utilizando pesquisas para captar dados objetivos de difícil memorização no mundo digital. Temos que desenvolver o conhecimento e a habilidade de determinar qual é a melhor forma de estudar determinado tipo de comportamento e saber integrá-lo com diversas metodologias. Esta integração nos ajudará a obter o panorama completo do que estamos estudando a fim de gerar resultados repletos de insights, ou também chamado de verdades secretas. Somos desafiados a descobrir!
Neste panorama digital tão completo, se vislumbra a necessidade de trabalhar com uma única fonte de dados ou single source: uma amostra que podemos estudar através de diferentes tipos de dados e que nos permite relacionar as diversas faces do consumidor. Não está longe o dia em que a tecnologia nos permitirá estudar, a respeito do mesmo consumidor, seus hábitos de compra, seu amor ou lealdade por uma marca, suas opiniões ou espetos mais subjetivos da sua personalidade e seu comportamento digital, integrando todo esse conhecimento em busca dessas verdades ocultas que levem ao mercado as decisões realmente impactantes e benéficas para o consumidor final.
Sobre José Daniel Pérez:
"Sou colombiano, formado em engenharia industrial e atuo há mais de 8 anos no setor de pesquisa de mercado, atendendo importantes companhias de consumo em massa, como Coca Cola, P&G, Nestlé, entre outras. Eu fui transferido para o México, onde tive a oportunidade de ter uma visão mais integral do consumidor latino-americano e pude finalizar meu MBA. Sou apaixonado pela criação de insights e novas formas de conhecer o consumidor, decidi entrar e cabeça na pesquisa online, pois eu acho apaixonante o grande potencial que pode ser desenvolvido. Meu desejo é conhecer a sociedade e contribuir de forma integral, eficiente e inovadora".