Adolescentes, violência e COVID-19. Um caso do uso de #dadosNetquest.

Ao ouvir as palavras “pesquisa de mercado”, é muito frequente pensarmos em marcas, produtos, campanhas publicitárias e em consumidores; raramente as relacionamos diretamente com outros usos, como uma campanha de marketing político ou às campanhas de conscientização da sociedade civil organizada. Mas não é nenhum absurdo fazê-lo, pois o processo é bem parecido: uma coleta de dados de uma população pesquisada (o público-alvo) com a consequente geração de insights que revelam informações novas e importantes.

 

guardianes_logoUm exemplo? Colaboramos recentemente no México com a agência Lexia e a organização Guardianes na criação de uma pesquisa chamada Adolescentes e jovens mexicanos confinados; entre a violência e a convivência. Estávamos procurando compreender e descrever, a partir dos dados obtidos em entrevistas, a percepção dos adolescentes e jovens mexicanos quanto à sua experiência no modo de convivência em suas famílias durante o confinamento provocado pela pandemia e, particularmente, entender se tinham passado por algum tipo de violência durante o período. O assunto é tão importante, e ao mesmo tempo tão delicado, que nas últimas semanas participamos da 59ª sessão da Comissão para o Desenvolvimento Social das Nações Unidas com a apresentação do tema “Pequenos e grandes desafios dos e das adolescentes no Mundo Digital”.

 

Para esta colaboração, realizamos 400 pesquisas de opinião através de nosso painel online, com uma proporção igual de homens e mulheres com idades entre 16 e 21 anos de todas as regiões do país, de todos os níveis socioeconômicos (NSE), que vivem acompanhados e que permaneceram isolados em suas casas durante a primeira parte da pandemia, de maio a junho de 2020.

 

As 5 descobertas mais importantes foram: 

  • 40% dos adolescentes e jovens mexicanos sofreram violência em casa durante o confinamento, sendo que a violência emocional e psicológica ocupou o primeiro lugar.

  • 3 de cada 10 adolescentes e jovens que já experimentavam violência em seus lares consideraram que esta aumentou durante o confinamento

  • Os principais autores da agressão doméstica no México durante o confinamento foram, em uma proporção praticamente igualada, o pai (35%) e a mãe (31%).

  • Garotos e garotas que são vítimas de violência doméstica consideram que o relacionamento da família piorou durante o confinamento e que o convívio não foi bom

  • 90% dos adolescentes e jovens mexicanos passaram mais tempo do que o habitual na internet, embora a supervisão ou acompanhamento dos pais e mães tenha diminuído em 30% dos lares. 

 

familia mexicana cuarentenaDiante destes dados assustadores, não surpreende afirmar que o impacto que o confinamento teve para os jovens é em maior parte negativo, já que 50% têm saudade de sua vida anterior e 3 de cada 10 se sentem desmotivados; além disso, 20% afirmaram irritar-se com maior facilidade. Os problemas familiares e domésticos que apareceram pelo confinamento são motivados 74% por questões financeiras, 73% por discórdias entre membros da família e 66% pelo desespero de estarem enclausurados.

 

Naturalmente, quando foram perguntados sobre como se sentiriam caso fossem avisados de que o confinamento duraria mais, as três respostas mais populares foram “preocupação” com 84%, “ansiedade” com 74% e “angustia” com 73%. Suas percepções de futuro também não foram de muito otimismo, pois quase 50% declararam que “as coisas em casa continuarão iguais ou não haverá mudanças” quando o confinamento acabe. 

 

Ao tratar mais profundamente a questão dos níveis de violência, 4 de cada 10 entrevistados reconheceram que em sua casa houve algum tipo de violência durante o confinamento, colocando em primeiro lugar a violência psicológica ou emocional, seguida pela econômica, e muito inferior a física (2%), deixando de fora a violência sexual. 28% dos adolescentes e jovens que experimentaram violência em casa consideraram que esta aumentou durante o confinamento, enquanto que para 48% permaneceu igual e para 24% houve uma queda na mesma.

 

A pesquisa revela que as principais vítimas da violência doméstica durante o confinamento são os próprios entrevistados, seguidos de suas mães e irmãos ou irmãs mais novos. Os principais autores de agressão doméstica no México durante o confinamento foram, em uma proporção praticamente igualada, o pai (35%) e a mãe (31%). 

 

Fato ainda mais preocupante é que, apesar do número de jovens que declarou ser vítima de violência neste período, apenas 4 de cada 10 procuraram ajuda para solucionar o problema; os demais não tomaram nenhuma medida, seja por medo, vergonha, por não saberem a quem recorrer ou por nunca terem recebido ajuda antes. A confiança nas instituições oficiais é nula (3%), pois os que procuraram ajuda o fizeram principalmente entre seus familiares, e apenas 2% com organizações da sociedade civil.

 

jovenes mexicanos computadoraNo que corresponde à vida digital, a pandemia e o período de confinamento trouxeram consigo um aumento no uso da internet por parte dos jovens, sendo que 94% permaneceram mais tempo conectados à rede, dedicando principalmente o tempo de uso às redes sociais, seguido pelo tempo usado em pesquisas para deveres e aulas e, finalmente, em atividades de entretenimento como jogos, navegando ou participando em bate-papos com vídeo. No entanto, precisamos ficar alertas quando os dados informam que 87% não contam com uma maior supervisão por parte de seus pais e mães, ou com novas regras para usar a internet no confinamento, apesar de terem aumentado o tempo que passam online; assim, alguns destes jovens dedicam parte de seu tempo online a ver vídeos com conteúdos para adultos ou sexuais, como o sexting. 

 

Portanto, esta pesquisa revela dados desalentadores sobre a situação vivida atualmente por muitos jovens, sendo que é muito provável que não se trate de uma situação específica do México, senão também de muitas outras partes do mundo. Nossa responsabilidade é expor estas cifras e as implicações resultantes; cabe à sociedade, da que somos espelho, olhar para mais este entre tantos ângulos que afetam nossa “nova normalidade”, na que já vivemos há mais de 10 meses.

 

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