Heurísticas e enviesamentos
As heurísticas cognitivas são regras simples que nos permitem resolver problemas complexos de forma rápida e intuitiva, sem a necessidade de fazer orçamento caro. São extremamente úteis e fornecem aos seres humanos uma vantagem evolutiva em relação a outras espécies. Podemos identificar situações perigosas e antecipar circunstâncias adversas, assim como tomar uma decisão com grande velocidade.
No entanto, esta forma de tomar decisões, em que a maioria dos casos funciona bem, carrega alguns viéses que podem fazem com que cometamos erros. Kahneman identifica a nossa incapacidade de pensar de forma estatística como a origem de muitos destes problemas.
A seguir temos alguns desses viéses relatados por Kahneman.
1. A lei dos pequenos números
Eu adoro o título usado por Kahneman para descrever esse viés de apreciação tão habitual. É irônico que faz referência a conhecida lei dos grandes números que justifica que a medida de um valor em uma amostra suficiente grande de indivíduos converge na medida total da população.
O que Kahneman quer dizer com a "lei dos pequenos números"? Geralmente as pessoas interpretam muito mal o conceito do erro amostral. Se nos dizem que 60% dos eleitores preferem o candidato "A", os dados provêm de uma pesquisa com 50, 100 ou 1.000 pessoas (a menos que sejamos pesquisadores de mercado profissional ou estatísticos). A nossa certeza sobre os dados será a mesma.
Nossa mente é extraordinária, procura relações de causalidade, mas sem ponderar a significância estatística. Estamos tirando conclusões implacáveis de amostras insuficientes. Exemplo: Eu passei uma semana em Paris, uma das noites, vou a um restaurante para jantar e um garçom me atendeu extremamente mal. Após o meu regresso, eu digo a meus conhecidos que em Paris o serviço é péssimo. E eu digo com tanta confiança.. e isso é uma amostra de.. UMA UNIDADE!
Esta tendência de tirar conclusões com bases estatísticas baixas tem uma explicação biológica que faz com que voltássemos as nossas origens como espécie. Eu ando pela selva, encontro um leão e ele me ataca. Concluo que eu nunca mais quero me encontrar com outros leões sem verificar que o leão tem uma aversão especial a espécie humana. É mais fácil tirar conclusões precipitadas com amostras pequenas do que tentar ter uma base estatística segura.
Nossa capacidade para conectar causa e efeito nos persegue, não podemos desativá-la: Eu tenho um acidente de carro com um motorista de táxi e concluo que os motoristas de táxi são imprudentes. Sempre que eu identificar algo errado, é difícil pensar que isto é uma coincidência, geralmente acreditamos ser uma causa.
2. Anchoring (Âncora)
Observe as duas perguntas:
- Gandhi tinha mais ou menos de 144 anos quando morreu?
- Qua idade Gandhi tinha quando morreu?
Ao fazer as duas perguntas de forma consecutiva, estimamos que as pessoas pensem que a idade de Gandhi tinha ao morrer era muito superior ao que realmente é. Isso acontece pois as duas perguntas foram feitas uma seguida da outra. Se perguntarmos somente a segunda questão, sem dúvida o valor de idades seria menor.
Este fenômeno é conhecido como "ancoragem" ou âncora. Quando temos que fazer estimativas e atuar em seguida, nós nos apegamos a qualquer informação que passar diante de nós, mesmo que a informação seja absolutamente irrelevante.
A "ancoragem" afeta nossas vidas diárias. Por exemplo, se você vai comprar uma casa, procura lugares atraentes e as vezes não tem ideia de quanto pode custar. Você conversa com o vendedor e ele lança o preço inicial de venda. Se você não está disposto a aceitar esse preço, a sua opinião moverá inconscientemente em torno deste valor inicial (âncora) com tanta força que dificilmente você irá pagar um valor muito inferior.
A "ancoragem" é um fenômeno chave na arte de negociação. O exemplo acima mostra que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, muitas vezes é vantajoso lançar uma proposta pela primeira vez quando uma negociação é iniciada; ao fazer isso, você está definindo o intervalo de valores em torno dos quais se concentrará a discussão.
Além disso, muitos especialistas em marketing usam a "ancoragem" para desenvolver promoções. Um experimento realizado nos EUA para uma promoção de sopas Campbell mostrou que as palavras "promoção limitada a 12 produtos por pessoa" não só promoveu mais vendas (para o efeito "escassez" que apela para limitar a promoção), mas permitiu demonstrar que fixar o limite de produto a 12 unidades, dobrou a quantidade de usuários que compraram o produto. A simples menção de "somente 12" está ancorada nas mentes dos consumidores.
3. Viés de disponibilidade
Outro fenômeno fácil de observar: quando nos perguntam algo, o fato de ter disponível algum exemplo concreto em nossas memórias nos fará julgar um fenômeno como mais provável do que realmente é.
Por exemplo, nós queremos saber sobre a segurança das viagens aéreas na semana seguinte após ter um acidente; obviamente essa resposta tende a ser negativa, simplesmente porque recentemente temos um caso à mão que apoia a ideia de que um vôo não é totalmente seguro.
O viés de disponibilidade é justamente um recurso mental que apelam as organizações terroristas. A probabilidade de ter um ataque em um país desenvolvido é desprezível, mas a percepção que as pessoas têm deste risco é muito maior do que o risco verdadeiro, graças a alta visibilidade com os ataques. A notoriedade torna-se muito disponível para a nossa memória.
4. Viés de representatividade
Temos tendência a ignorar o que é conhecido como "frequência de base" ou taxa de base (base rate); somos guiados por estereótipos. Kahneman explica perfeitamente com um experimento realizado em numerosas ocasiões. Trata-se da seguinte declaração:
Tom é um estudante de uma universidade pública no seu país. Ordene de 1 a 9 quais carreiras que você acredita que Tom está cursando:
- Administração de empresas
- Informática
- Engenharia
- Humanas
- Direito
- Medicina
- Biblioteconomia
- Biologia
- Ciências sociais e trabalhistas
Ao nos confrontar com uma declaração como essa, a maioria de nós optaria por usar a "frequência de base" de cursos universitários diferentes. Isto é, se você não sabe mais nenhuma informação sobre Tom, você deve considerar que a carreira mais provável seja a mais popular, pois geralmente são as que a maioria dos estudantes selecionam. Essa é a estratégia certa.
Kahneman verificou que era isso: a maioria das pessoas priorizam carreiras como Humanas em comparação com outras, como biblioteconomia. No entanto, suponhamos que analisamos a afirmação assim com um perfil psicológico de Tom:
“Tom tem um alto nível de inteligência, porém lhe falta criatividade. Tem a necessidade de deixar tudo ordenado e claro, assim como cada detalhe se encontra no local apropriado. Escreve de forma fria e mecânica (...) Tende a sentir pouca empatia por outras pessoas e não gosta da interação interpessoal. Mesmo que egocêntrico, tem um sentido restrito de moral".
Ao adicionar esta informação, os participantes do estudo ordenaram as carreiras de forma totalmente diferente do exercício anterior. Antes "Humanas" era priorizada, agora "Informática", "Engenharia", "Administração de empresas", "Biologia" e "Biblioteconomia" apareceram em relevância.
O que aconteceu? Simplesmente nos deixamos levar pelos estereótipos (perfil psicológico de um "nerd" se ajusta melhor a imagem que temos de informático do que um estudante de história) e, o que é mais grave é que ignoramos por completo as proporções da base. De repente, uma carreira tão minoritária como Biblioteconomia se torna a quinta posição.
Este fenômeno - ignorar a frequência de base - é justamente o que p método estatístico pretende resolver. Está muito na moda ultimamente e é conhecido como pensamento bayesiano. O perfil psicológico de Tom não deveria ser avaliado de forma isolada, deveria ser considerado como uma evidência ao adicionar a uma informação a priori: a probabilidade que Tom têm de estudar cada carreira se não soubéssemos nada dele.
Ao raciocinar de forma bayesiana, nós podemos corrigir esse viés de representatividade que, de forma natural, nos leva a ignorar a informação que parecia uma evidência (no caso do perfil psicológico).
5. Regressão à média
Este fenômeno é super conhecido, porém pouco compreendido ao meu parecer.
A regressão à média é um efeito estatístico que diz que em uma população normal, caracterizada por uma média, quando nós observamos um fenômeno improrvável (longe da média), o mais habitual é que se acerque de um fenômeno mais provável (próximo da média).
No entanto, a nossa intuição pode pregar peças. Por exemplo, pensamos que os filhos de um casal totalmente altos (os dois), deveriam ser maiores que os pais. Na verdade, os pais são dois humanos excepcionais, pois são muito altos e, o mais provável é que seus filhos, embora possam ser altos, não serão tão excepcionais como seus pais.
Kahneman expõe um exemplo muito ilustrativo de como podemos enganar o regressão à média. Durante um curso motivacional, um dos assistentes defende que, para melhorar o rendimento da sua equipe, é melhor recompensar do que castigar. Seu argumento era simples: "sempre que alguém na minha equipe faz alto muito bem, o felicito. Se o próximo projeto for mal, chamo a atenção e, consequentemente o próximo projeto sai melhor. Cada vez que alguém faz um projeto excepcionalmente bom, o mais provável é que da próxima vez faça de forma menos excepcional, e vice e versa.
Série completa sobre o Livro “Thinking, Fast and Slow”de Daniel Kahneman: